26.7.13

Uma vez escrevi... sobre o Dia do Escritor

Ilustres, de vez em quando resgatarei textos produzidos há alguns anos (ou muitos... #ficandovelho), que ainda não publiquei (ou não me lembro, ou não tenho mais acesso), pois se conectam com assuntos que voltam a me ocorrer na cachola e também para arquivá-los com mais agilidade e segurança (tenho um arquivo de Word recheado de escritos, mas pen-drives, CDs e computadores estão mais suscetíveis a problemas que possam me levar a perder esses dados do que a imensa biblioteca da Web da qual este modesto bológue faz parte).

O primeiro dessa série "Uma vez escrevi" completou 10 anos ontem, no Dia do Escritor, e não apenas pela efeméride consagrada do número redondo, mas pela manutenção do meu pensamento sobre a questão, achei válido praticar a emersão abaixo. Vejam o que o então estudante de Jornalismo escreveu em uma mensagem de e-mail (a não lembro quem...) na época:

Por que parar na leitura? (2003)

            25 de julho, dia do escritor. Logo cedo, alguém na TV cita a data e aconselha milhões de  brasileiros insistentemente: "leiam, não percam esse gosto e esse costume, não deixem os livros encostados na estante!". Ótimo, a leitura é o nosso pão da vida e criar bibliotecas em casa somente para a visita da poeira não tem muita utilidade mesmo. 

Muito propício o incentivo à leitura voltado ao reconhecimento do escritor. Ampliando o raciocínio, porém, pintou um cutucão: todos nós devemos ler assiduamente, pois temos grandes nomes cujas obras se constituem em legados riquíssimos a nossa formação, correto? Então, essa classe dotada de um privilégio intelectual restrito a poucos merece mais respeito: são Escritores, melhor dizendo. Nada contra, já que  devemos muito a eles. A pergunta está do lado de cá. A nós, meros mortais, caberia apenas consumir o legado que vem "de cima"?  O que fazer com o legado diário que acumulamos em preciosos minutos de leitura? Se há "Escritores", assim tratados por viverem das palavras, não podem existir "escritores", pessoas comuns colhendo os frutos de sua condição de leitores?

            A transposição do ler ao escrever, penso, está mais para o atravessar uma rua de mão única do que o ir de Santos a Guarujá numa manhã de fim de semana de verão. Depende mais de quem empunha uma caneta ou se debruça num teclado; os conhecimentos são mais básicos do que muito se pensa. Lamento que se ache que é preciso diploma superior ou se considere atividade exclusiva às ciências humanas e aos comunicadores. Muitos dos "Escritores" nem ensino médio tiveram. Alguém pode pensar: ah, mas eles são (ou foram) "Eles", né... Superando mais um exemplo dessa teimosia nacional que é a auto-subjugação, veremos que a simples alfabetização, tão em voga no país que cada vez mais leva crianças às escolas, pode ser nosso ponto de partida. A partir do cotidiano, podemos ir além do que habitualmente se faz na escola e compõe o contato interpessoal via correio ou internet, por exemplo. Resta agora descobrirmos o que ganhamos com isso.

Vamos dar uma chegadinha até a Europa da Idade Média pré-capitalista, que já via projetos de cidades em muitas feiras livres. Se você planta apenas verduras, como obtém grãos, cereais e outros alimentos? Vai à feira e troca seu excedente pelo do vizinho que planta aquilo de que você precisa; assim ocorreu até que  alguém tivesse a idéia (não tão feliz, creio) de estabelecer um valor de troca para as coisas, que aí se desvinculou do valor de uso, e hoje vivemos com o dinheiro e o capitalismo, mas meu ponto central ficou lá trás. Voltemos ao tema tentando visualizar os benefícios da troca para os nela envolvidos: percebemos que todos ganham ao produzir algo que vai ser aproveitado pelos demais graças à existência da troca em si.

O ato de escrever - com letra minúscula (porque me refiro a nós), além de nos propiciar um conhecimento partilhado sem que tenhamos de comprar livros, não se restringe ao "toma lá = dá cá", nem pára na bondade cristã de contribuir de alguma forma com o enriquecimento do próximo. Quando escrevemos, aperfeiçoamos nossas reflexões de tal modo que nos conhecemos melhor, aprendendo algo novo a cada busca de palavras na seqüência do texto. O prazer e as descobertas se assemelham ao que a leitura proporciona, afinal a escrita assenta-se sobre a materialização de várias coisas que você já leu algum dia, se entendermos tudo que vivenciamos como componentes de nossa leitura do mundo.

O maior estímulo está dado: começar a escrever espontaneamente tende a se converter numa viagem tão saborosa quanto embarcar no universo da leitura. Atualmente, é muito fácil dar asas à escrita: esse e-mail já mostra um pouco do que a internet pode nos proporcionar. Entretanto, somente a disposição de cada um pode fazer nossa cultura avançar nesse âmbito. É batido afirmar novamente que temos de ter a iniciativa, mas, se servir de constatação, um estudante de jornalismo pode vos assegurar: raramente ele ouviu de alguém desde o ginásio até a faculdade que, não bastando a leitura, precisava escrever. Hoje, não se arrepende por ter ido além.